terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Os abutres



Eles estão por toda parte e aos bandos
Rancorosos observadores
Onde quer que haja uma carcaça
Eles pousam e estudam cuidadosamente
Para se certificarem sobre o morto

(Passivo incapaz de defender-se)

Aproximam em grande alvoroço
Para repartir o almoço

O urubu-rei fica com os olhos
Afinal em terra de urubus quem tem os olhos é o rei
Outros querem a visão
Mas acabam entrando pela cloaca
Dissecando cabalmente as entranhas
Do boi-morto
sem sucesso
Porque o boi-inefável sumiu no redemoinho

Espiral



Rumo aos confins
afins
sem fim
enfim
sumo
assumo
me consumo


numa
espiral
sem freio
num
devaneio
astral


Mitos cabalísticos
Gritos apocalípticos
Tempos krípticos

Genes mutantes
Imagos aberrantes
Estranhos transtornos

Mônadas emanadas
Caos em camadas
Eternos retornos

Astros
Grãos de areia
Átomos
Átimos
Cantos de sereia
Rastros
de um sonho monolítico


Promenade


A caminhada ao fim da tarde

Flanêurs alienigenados
Absortos em suas bolhas
Inscrevem no espaço urbano
Suas sinuosidades
Outros personagens outros nomes

Distração atenta a (re)visitar esquinas curvas
Vitrines espelhadas
Intersecções da memória
Outros espaços outros tempos

Na anamnéstica ebulição
Da digestão diegética
O tempo de estar desmemoriado
Outros diálogos transi(ns)tantes

Le coq


um galo só
um só galo
só um galo
basta para rasgar a manhã

acorda acorda acorda acorda acorda acorda!

Ó tu, grande Louco
Ó Cruz e Sousa, Ó Withman
Ó Alvaro
Grita, ó Insano
Eia, eia, eia eia, eia, eia!
uuuuuhh, uuuuuhh!
Quando paras de falar
e começas a berrar nos céus do mundo
as labaredas de Tua língua
ardem nas florestas da noite


Ó Grão-Louco
quando te tornas uma só voz com os miseráveis
quando a insônia te consome
e te contorces e gemes e gritas
e nonsenses são incinerados na fornalha de teu cérebro
e as palavras fogem de sua voz incandescente

Ó Tiger, Tiger
quem te criou?
Eia, eia, eia eia!
uuuuuuuuhhhh, uuuuuuuhhh!

Ó louco Jogador
no time no time no time
no time left na roleta russa
Click!click!click! click!

BANG!

Ó grande Louco
Ó Xamã
Baba ganga guzu
tocam os tambores no teto do mundo
musique non stop!

Venha, ó Encoberto
venha, ó Esperado-desde-muito
Orixá-primeiro-muito-antes
de qualquer ordem
saravá-vá-vá-vá-vá!
dança, dança, dança!
gira gira gira giragiragiragira
Ó grande Sufi
não pare a música
Ó grande Shiva
dança dança dança
nos telhados da cidade dormente
canta e grita
grita mais alto
IIIIIUUUUUHHH!
Eia! Eia!

H de campos
Alfa estelares

(anche le stelle muiono...
supernovas
fótons
quarks quasares
um átimo no hálito etéreo

fecundantes campos de centelhas
semeados de luz fáustica
chispas
faíscas fagulham
no breu circundante

e num vão piscar de olhos
vão num riscar de estrela
num vão cadente

entrementes

entretantos

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Desfabulação


o começo é um pretexto
para não sei onde vai dar
afinal o desfecho

como dizer o desfeito?
- repito, o inefável não é falável
E a fábula, insisto, é falível.