quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Justificativa 2.

visto-me de palavras

para despir-me de minhas carnes

e lançar meus ossos

nas fundas falésias das entrelinhas

para que silvem

assobiem

sussurrem

ao vento vertical dos vórtices

o canto surdo dos fiordes interiores

mefisto fala melífluo

nas falências de meus sonhos

e minhas carnes sobre a mesa doem

repasto de rapinas

meus ossos

entretantos

nas falácias sibilam

Justificativa 1.

um poeta de banco de rodoviária

tem ao menos o pretexto

de escrever enquanto espera o ônibus

como justificativa de um despropósito

escrever como um (des)cumprimento irreverente

ao silêncio que bate à porta

zen-filosofia-nenhuma

calando eus que estão sendo

impermanentes sombras que escapam

à concretude da escrita

secando vozes que gritam

rios errantes que se turvam

ao distanciar-se da fonte

sufocando ecos que insistem

restos de som que sobrevivem

à palavra-prima inaudita

Indícios da serenidade

algum canto

no ruído da cidade

a libido pela metade

um bolero a media luz

me diz:

dane-se o cenário mundial

incendiário aposentado

vamos às palavras cruzadas

mais vale folhear o hebdomadário local

de trás pra frente

o tesão pelo meio

me avisa:

o escuro no fim da luz

as visitas ao passado perdão pra todo lado culpas desculpadas fardos leves pra ombros curvados

no domingo com a família

o delírio sem colírio

bate a porta envergonhado

risca um fósforo na sala

e se arrepende

no meio do caminho

no desespero temperado

pelo sal da medianidade

chega a serena idade

Joycenana

1.

No início de tudo era ela – Eva primeira mãe de todas –
Seu ventre sem umbigo estendia-se como ovalada planície
Com a azáfama de perparir
prenhe de miríades de hipocampos em sua bojuda pança hermafrodita
a partir de um invisível onfâlos
ela era também ele de tanta impregnação
a ele uniunidacosubstanciadamente apesar de

mulher primeva já era desde sempre
em sonhos me visita de raro
quando nadafalamos, apenas deitamos silentes e
mudamente ficamos rentes roçando nossas auras reunidas
esse renterroçar inunda a noite de pirilampos
quando embasbacado fico depois por dias colando cacos
fragmentos de sua silhueta lucívora até que só restam sombras

2.

Vegetissombras flutuavam silentes na paz outonal
Uma voz de dentro borbulhou. Pare de remoer esse moinho. Disse
Eu cantava sozinho em águas amargas, sustendo os longos acordes musgosos
De rumorosos remorsos verdemuco
O espalho do céu triscava lucífugas flechas no tremulazulado véu da tarde

Subitouvi sua voz dela. Seus olhos sobre mim
Emborrascando todos seus traços dela
Rosnou com rascante voz rouquenha
No que ficou parada – vestuta vestal

3.

Recomposto cruzei o umbralino deserto
Na escuridão de minha mente uma preguiça do inframundo
Avessa à claridade relutando, re-lutando
Remexendo as dobras escamosas de dragão minhas
Puff esquecido no sótão de little jack paper

A alma é tudo o que é: a forma das formas
Inelutável modalidade do visível


4.

Contando as maneiras do seu olhar dela
para ler a assinatura de todas as coisas
Signos coloridos nos limites do diáfano
Ando, adianto uma pernada por vez, epifanando pouco-a-pouco
Day in Day out that same old voodoo follows me about
Ella bruxa
Day-in-day-out I drag on
Eu-dragão
Minha espada de freixo pende a meu lado e desde
Uma escarpa que se salta de suas bases miro
O véu azulargênteo e imagino-a com cinzas em seu hálito
E o plúmbeo aroma exala de seus pelos dela
Do corner do meu olho vejo
Uma mosca diafanando sobre seu oblongo nariz
olhodenovo: a mosca se foi mais a bruxa

A inelutável modalidade do invisível

Aí está: o tempo sem ela. Sempre o será.
O mundo sem fim