segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Indícios da serenidade

algum canto
no ruído da cidade
a libido pela metade
um bolero a media luz
me diz:
dane-se o cenário mundial
incendiário aposentado
vamos às palavras cruzadas
mais vale folhear o hebdomadário local
de trás pra frente

o tesão pelo meio
me avisa:
o escuro no fim da luz
as visitas ao passado perdão pra todo lado culpas desculpadas fardos leves pra ombros curvados

no domingo com a família
o delírio sem colírio
bate a porta envergonhado
risca um fósforo na sala
e se arrepende

no meio do caminho

no desespero temperado
pelo sal da medianidade
chega a serena idade

Primavera


Tivéssemos tempo a perder,
Não seria crime, minha senhora,
toda essa esquivez.
Sentar-nos-íamos plácidos
À margem do rio e ali ficaríamos a imaginar
Mil modos de nos amarmos.
Tu colherias, frívola, rara flor delicada
Por entre trilhas sinuosas;
Eu, recostado numa rocha,
Cantaria, lamurioso, minhas mágoas
Às lácteas águas do rio celeste.
Assim, sem nunca nos encontrarmos
Diante do vasto lago da eternidade
Nosso amor cresceria lento como as grandes árvores,
E, resignado em esperar até que estivesses madura
Para me dares teu fruto,
Quedar-me-ia diante de ti, de mãos dadas,
Contemplando-me no raso espelho de teus olhos.

Mas não é assim, cara senhora,
O fim de mais um dia me embriaga com a visão do paraíso,
E dele me despeço sem tristeza ou alegria.
Que bom é viver!
Tangerinas douradas pendem sobre minha testa,
Ao alcance de minhas mãos, a doce vinha,
Minha taça está sempre cheia e eu vivo a sorvê-la.
Se uma flor se me oferece
Que mais posso pretender senão colhê-la
Antes que feneça ao sol da tarde?

Olhar inesperado

tivera os olhos bem abertos

o real não teria tal rusga arredia

a pele do mundo talvez fosse mais lisa

tivera-os bem fechados

não ouviria o estrépito do gesto espasmódico

se intrometendo na visada involuntária

olhar inesperado

de esgueio

imagem para o canto

que do mundo

escorrega

num esgar

apertado

no canto do olho

inesperado cisco

sobe à retina esgarçada

ali não fica mais que um átimo

suficiente para assombrar no porão

a perene imaginação sob o régard

e num relâmpago irromper nas rachaduras do daydreaming

risco ruidoso que rasga o véu viscoso da vigília

distraída no limiar entre o céu e a bomba do posto de gasolina

entre o azul e o cartão de crédito

miragem de escanteio

na visada da córnea

mirada de corner

diagonal

deslize de íris oblíqua

menina deslocada

pupila dissimulada catando o pedaço de espaço que não coube no tamanho do instante:

espectro infame de um fantasma estrábico a girar no globo vazado

não houvera desejos o dia seria raso

as pontas angulosa do olhar se encontrariam

o tempo não escorreria para dentro da moldura

e aquela imagem vesga não ficaria ali

presa de viés em vez de fugaz

seria soprada ao invés de cingir-se aos cílios

arranhando a superfície vítrea sob a mucosa pálpebra

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Os abutres



Eles estão por toda parte e aos bandos
Rancorosos observadores
Onde quer que haja uma carcaça
Eles pousam e estudam cuidadosamente
Para se certificarem sobre o morto

(Passivo incapaz de defender-se)

Aproximam em grande alvoroço
Para repartir o almoço

O urubu-rei fica com os olhos
Afinal em terra de urubus quem tem os olhos é o rei
Outros querem a visão
Mas acabam entrando pela cloaca
Dissecando cabalmente as entranhas
Do boi-morto
sem sucesso
Porque o boi-inefável sumiu no redemoinho

Espiral



Rumo aos confins
afins
sem fim
enfim
sumo
assumo
me consumo


numa
espiral
sem freio
num
devaneio
astral


Mitos cabalísticos
Gritos apocalípticos
Tempos krípticos

Genes mutantes
Imagos aberrantes
Estranhos transtornos

Mônadas emanadas
Caos em camadas
Eternos retornos

Astros
Grãos de areia
Átomos
Átimos
Cantos de sereia
Rastros
de um sonho monolítico


Promenade


A caminhada ao fim da tarde

Flanêurs alienigenados
Absortos em suas bolhas
Inscrevem no espaço urbano
Suas sinuosidades
Outros personagens outros nomes

Distração atenta a (re)visitar esquinas curvas
Vitrines espelhadas
Intersecções da memória
Outros espaços outros tempos

Na anamnéstica ebulição
Da digestão diegética
O tempo de estar desmemoriado
Outros diálogos transi(ns)tantes

Le coq


um galo só
um só galo
só um galo
basta para rasgar a manhã

acorda acorda acorda acorda acorda acorda!

Ó tu, grande Louco
Ó Cruz e Sousa, Ó Withman
Ó Alvaro
Grita, ó Insano
Eia, eia, eia eia, eia, eia!
uuuuuhh, uuuuuhh!
Quando paras de falar
e começas a berrar nos céus do mundo
as labaredas de Tua língua
ardem nas florestas da noite


Ó Grão-Louco
quando te tornas uma só voz com os miseráveis
quando a insônia te consome
e te contorces e gemes e gritas
e nonsenses são incinerados na fornalha de teu cérebro
e as palavras fogem de sua voz incandescente

Ó Tiger, Tiger
quem te criou?
Eia, eia, eia eia!
uuuuuuuuhhhh, uuuuuuuhhh!

Ó louco Jogador
no time no time no time
no time left na roleta russa
Click!click!click! click!

BANG!

Ó grande Louco
Ó Xamã
Baba ganga guzu
tocam os tambores no teto do mundo
musique non stop!

Venha, ó Encoberto
venha, ó Esperado-desde-muito
Orixá-primeiro-muito-antes
de qualquer ordem
saravá-vá-vá-vá-vá!
dança, dança, dança!
gira gira gira giragiragiragira
Ó grande Sufi
não pare a música
Ó grande Shiva
dança dança dança
nos telhados da cidade dormente
canta e grita
grita mais alto
IIIIIUUUUUHHH!
Eia! Eia!

H de campos
Alfa estelares

(anche le stelle muiono...
supernovas
fótons
quarks quasares
um átimo no hálito etéreo

fecundantes campos de centelhas
semeados de luz fáustica
chispas
faíscas fagulham
no breu circundante

e num vão piscar de olhos
vão num riscar de estrela
num vão cadente

entrementes

entretantos

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Desfabulação


o começo é um pretexto
para não sei onde vai dar
afinal o desfecho

como dizer o desfeito?
- repito, o inefável não é falável
E a fábula, insisto, é falível.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Vida anfíbia

Baby, estou voltando pra casa
você sabe
flerto com o eterno e acabo no efêmero
se estou na rua, estou na tua
se estou na tua, estou em casa
sou de lua

viro a lato do lixo
me lixo para o nexo
me fixo no fluxo
sou viralata de luxo
minha vida anfíbia, Baby
second life
lado oculto dark side
tem sido sempre assim
a walk in the wild side
mas sempre volto, Baby.

chupo o néctar do inútil
sou fútil, meu bem
não moro, transito
quando mordo, não escondo os dentes
em casa namoro o trânsito
quando morto, nasço de repente
desço ao fundo do poço
mas volto sempre, Baby

Baby, às vezes surto,
mas no delírio me reconheço
quando choro, não uso colírio
mas não se assuste, sou subtil
roubo um beijo, levo um tapa
dou a outra face
leva um tempo, baby
roubo o queijo e fujo para o escuro
o meu refúgio
mas no fundo do túnel vejo claro
estou voltando pra casa, Baby

Lado B

Vem pro meu lado B
Baby
Gosto do seu lado
Ah Baby
Gosto baby mas ah
Você sabe
Baby
Ah é demais pra mim
Ficar longe de você assim
Baby say bye-bye
Vem pro meu lado baby
Stay by my side
Side B
B side me
Você pode ser feliz
Do meu lado baby
Seu lado
Ah baby
É ao meu lado Baby
By the way
My baby
Be my side
be
For one day

Fármacia de tédio e de felicidade

Fármacia de tédio e de felicidade

Sivastamina

Pravastinina

Logartan

Ramipril

Lisimopril

Amlodipina

Indapamida

Ticlopidina

All proLife

Plus

Drogaria de sombras e de éter

Para acabar com a tristeza normativa:

Duloxetina HCI

Para tratar além do que se vê

Eu era depressivo e essa tabuleta-cocktail

Caiu sobre mim como uma manhã verde-absíntea

Quantos miligramas tem um dia?

76, 150, 225?

Cloridato de ventaflaxina

Fluvoxamina

O anti-depressivo certo

Mais de 21 milhões de doentes tratados

Mais de 5.000 pesquisas desenvolvidas

Propanol Paracetamol Álcool THC

Turismo suicida

Pesquisas demonstram: local preferido: Golden Bridge

If you’re going to San Francisco, be sure to wear...

Omeprazol tolife 20 mg. caps

Calcitolina tolife 200 UI sol. pulv. Nasal

Azitomicina

Claritromicina

Ciprofloxacina

Melatonina

Desperte para um sono

repara

dor

prolonged-release dreams

olanzapina orodispersível

Eu gastava sem limites

Agora poso me controlar

Inferno das casas de produtos da china

Agora sei que não vou lá voltar

Rumo positivo no tratamento da

Esquizofrenia

28 cápsulas de 150 mg.

Respostas que contam

Efeito prolongado

Duplo mecanismo de ação

Inibição da recaptura de seratonina

E noradrenalina

Fluoxitina 20 mg.

Paroxetina

Sertralina

benzina estricnina heroína morfina cocaína

agora eu era um drugstore cowboy

e assaltava farmácias com Borroughs


quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Claro-escuro

Estou só quando estou contigo

E não encontro nenhum encantamento

Que me faça parar de morrer

Encantamento de salamandra que seja

Fogo-fátuo que por um momento

Risque a noite dos meus olhos

Sussurro de sibila que seja

Pista silente selada sutilmente

Que meus ouvidos farejam

Não te quero facilmente

Sorriso branco estampado em outdoors

Te quero violeta à metade oculta

De minha visão musgosa

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Justificativa 2.

visto-me de palavras

para despir-me de minhas carnes

e lançar meus ossos

nas fundas falésias das entrelinhas

para que silvem

assobiem

sussurrem

ao vento vertical dos vórtices

o canto surdo dos fiordes interiores

mefisto fala melífluo

nas falências de meus sonhos

e minhas carnes sobre a mesa doem

repasto de rapinas

meus ossos

entretantos

nas falácias sibilam